sábado, 18 de agosto de 2012

Quem é Ele?

Vejo-o vindo pelo ar, num vôo lento.
Suspenso num olhar, acima de tudo clandestino contornando a paisagem escura.
Eis então que se revela descansando na janela, e me toca sem contato..
Tua face, teu amor sem dono...

Em tuas asas vem trazendo outra vez
aquelas memórias
do beijo nunca selado
que é dito no silêncio
fugidio das palavras

Não te reclamo abrigo
sou morada da ausência
presente entre o sono de dois sóis
separados
Pelo tempo do mundo.

Noutra noite aleatória,
entre o sono de dois sóis
separados pelo tempo do mundo
Ausência retrocede a morada.
Tão suave algia, radiante, que sem surpresa se acomoda.
Vejo-o vindo pelo ar,
num vôo lento
suspenso num olhar clandestino contornando a escuridão

Eis então, que se revela descansando na janela
e me toca sem contato
atravessando nódoas em reparo.
Selvagem em tua face indiferente,
teu amor sem dono
em tuas asas vem trazendo outra vez
memórias de dias em movimento...

As Asas e o Corpo

 Sei que me compreenderás completamente. Talvez, eu esteja um pouco nostálgica com algumas lembranças de minha infância. 

 Estou indo - estou chegando a lugares distantes em minha memória... Agora o chão corre depressa, as luzes brilham na  noite. Curva-se, inclina-se e sobe.  Já não toca mais o solo. Estou dentro de uma nuvem rasa. 
Afastam-se as casas, todas as moradias tornam-se pequenas e reluzentes. Agrupam-se em  vilarejos. 
 Estar acima e observar o todo sem pormenores. Embaixo, partículas, cheia de detalhes. Eu não sei se prefiro os detalhes... Ou a completude indetalhada. De certo que o todo tem organização. Mas, os detalhes são tão complexos; o jogador com uma única carta na mão a desvendar todo o baralho...

Sobe
...

Na janela, a neblina enche de claro o marrom escuro.  Raios entrecortando a paisagem invisível. É o Cumulus  Nimbus. 

O voou segue em crise. O problema aconteceu na decolagem.
No escuro, só se vê o letreiro em vermelho que pede para atar os cintos. Estou presa de pavor. A sensação a qual viajo é de chegar ao meu destino e não mais voltar. E de outro modo paradoxo a leve surpresa de  gostar de voar.

Espreitam-me algumas descobertas
.

-Lembra que  brincávamos? Nós como se fossemos crianças; eu estava dirigindo um filme na vida real, um filme em minha própria vida e se estilizaria a uma comédia romântica. Como seria estar sem roteiros, sem personagens, sem a forma a qual idealizo. Ainda possível nossas existências? 


Minha mente em fragmentos...

Acordo agora,
o relógio em formato de casa,
o interruptor do quarto é um soldado.

 Vou à escola
 e o relógio me intriga...
 Os ponteiros são de um eterno verde,
os algoritmos tem vida própria...

Num algarismo existe um universo.
No universo do relógio existe o tempo.
Eu triste por não ser a linha...
Não estou sequer na curva do tempo...

-Terei que compor frases para quebrar a barreira
entre a minha mente e os outros...

Aquela sou eu,
com culpa sentada no banquinho,
 não brinco,
não falo..
e ninguém sabe a minha culpa...

Não tenho medo do gelado...
Aquela sou eu na neve.

    Sobrevoando o mar, num momento de reflexão que acomete a quem viaja ao fitar o oceano, percebi que em toda minha vida tenho procurado por algo que não sei o nome.

Então, o homem sentado ao lado da janela começou uma troca de palavras, enquanto tremíamos no ar. 
Em um momento, a turbulência cedeu. E todos estavam aliviados, a aeromoça começou a servir os passageiros e começamos a cair.
   O homem fala  comigo tranquilamente como se aquilo não estivesse acontecendo, como se não existisse aquele momento pavoroso. Como se estivéssemos a nos olhar e a trocar palavras em um planeta vazio de imagens. Nós imagens e palavras de um planeta inteiro. Em perfeita relação de calma e ternura que estranhamente escondia-se em um pequeno universo dentro do caos. Segurou minha mão e permaneceu assim durante toda a viagem, suave e com  timidez. Protegendo a mim de todos os temores. Nada falamos sobre estarmos de mãos coladas, continuamos conversando como dois desconhecidos.
   Era proibido falar de nossas emoções. Era aquele silêncio apaixonado. O Silêncio de quando não há intimidade. Ele fala como se não fossemos morrer, como se esse momento fosse eterno, eterno na repetição do presente para sempre...

  Os minutos eram longos e eu lhe perguntava a hora a cada dois minutos, ele respondia todas as vezes, pacientemente...

  E quando o avião começou a descer depressa, víamos uma cidade se aproximar... Ele encostou ao lado da janela para que eu pudesse me aproximar. Meu rosto junto ao dele, a sua voz tranquila...

-Olha ali, que lindo! Estamos chegando, veja Brasília! Você vê por ali? Ali são as asas do avião e o meio dele, o corpo...

-Estamos chegando!  E o avião desce tão depressa...

E quando pousou, o piloto anunciou:
- Bem vindos ao aeroporto de Confins em Belo Horizonte.

Foi um pouso de emergência, havia bombeiros nos esperando na pista... Não eram as tais asas, o tal corpo...
 A Velha Senhora humilde - disse - menina, não precisa ter medo. Quando chega a hora de morrer, é a hora. Posso estar em casa, avião ou em qualquer situação e isso ocorrerá. Será na minha hora, a hora que Deus quiser. 
A inocência  de nunca ter questionado sua cultura, os seus costumes, as suas crenças. A falta de pensar sobre, a falta de ciência no olhar livrou-a do pavor. Para ela foi como uma coisa banal. Sem sofrimentos.

O homem lançou um olhar para mim, como quem contemplava comigo a inocência da senhora... Erámos indivisíveis. Pensávamos no silencio e sempre igual. Continuou com seus grandes olhos castanhos fixos em mim... Porquanto desciam as pessoas do avião, um longo olhar. E foi doce. 

Um olhar cheio de sentimentos. Senti vontade de dizer-lhe: eu te amo, e não era apenas um dizer. Era emoção que transbordava, eu sentia, eu o amava. Mas, ao invés de palavras, retribui o olhar. Com olhos de artista, com grande surpresa infantil. 


No aeroporto outro homem me esperava, trazia uma criança consigo que sorria para mim e me consolava a perda do meu mais recente amor. Só por ela foi possível essa transição. 
Ainda o vi de longe perdido por entre as pessoas e perdido em mim em meus novos momentos. Em minha nova realidade
. 
Esse sorriso terno de felicidade da criança em me rever foi tão singular quanto o meu amor... Representações nunca antes vistas por mim.. E talvez singulares no mundo inteiro. Às vezes tenho em mim expressões verdadeiras, mas, nem sozinha diante do espelho  quando é possível tirar algumas máscaras, posso revela-las. 

No espelho me pergunto, e não assimilo que aquela então sou eu... E confusa duvido ainda. Essa sou eu ou a outra que não está comigo em imagem. E em imagem não sei se meus olhos refletem a mesma imagem que outros veem... a visão não é um sentido exato.
Ah, os olhos não enxergam,  interpretam 

E sem isso não somos mais humanos e sim maquinas de repetição. Mas, tudo é repetição. Sobretudo, é original a reformulação do passado para o presente, a interpretação em si.  O mundo externo uma projeção de nosso eu. Enquanto o mundo externo não se move, move-se dentro dos olhares. De outro modo estamos presos a condenação do olhar idêntico, de regimes totalitários... Escravos de misérias conformados em suas repetições...

-Me escutas?

Sei que não gostas quando não acredito em Deus, quando não acredito no místico, quando não acredito na ciência... 
Mas vê! Eu descobri uma coisa...  Como seria possível acreditar em tais sentimentos, em tais fantasias, sem fé? 
Eu tenho religiosidade e fé e não tenho religião. A minha religião é expressa na loucura que trago para as palavras e para aquilo que ninguém pode ver...

O amor é uma religião no sentido de nada fazer sentido de não haver ciência, por não haver exatidão, verdades comprovadas...
Acredito em fantasias... Amo com tanta convicção... 

Que posso dizer que tudo que o que tenho em mim é expresso como religião. A cultura não abalou.

Com olhos cegos, eu sou incomunicável para o mundo. E te escrevo para dizer que agora, nesse momento você é a minha religião, a minha fé, como um deus e você existe único em meu mundo, em minhas metáforas que talvez não possas ver. Mas sei que sou mais sincera a ti do que ao espelho. 

E podes chegar a questionar então que o amor em mim é sempre igual e que se saíres da cena de nosso filme poderei continua-lo de mesmo modo. Não! Não é o mesmo amor. O amor está em mim como uma  fonte única... Mas os objetos são outros... A crença é outra, nunca a mesma. E gosto da tua. Gosto desse mundo. Até que seja destruída em mim a crença do teu mundo... Até que seja destruída em mim as minhas fantasias do teu mundo tão colorido.


E saio agora desse templo frio.

Ser

Queria ser a meretriz
que torna as suas noites mais quentes
e te deixa sem ar
queria ser a amiga
o seu lar,
queria ser essa fantasia
de
nós dois
queria ser o próprio sonho

Saudade não quero sentir
nem por um segundo.
Então meu anjo dos sonhos
faça o que te peço
de dia quero que me cubra de flores
e de noite
quero ser sua flor

Céu Azul

Manchada de laranja..
figuras
de um quadro
espelham-se
face a face
no banheiro
ao lado.
Transverso
sem verso.
cigarros, 
e as nossas roupas
misturadas no chão.

Antes da noite acolhedora...
-A comédia nada divina das ilusões.

Ultimos Amantes

Da moça do brinco de pérola
ficou
um brilho.
sua figura 
de flor
reluziu.
Em sua imagem
o amor
num barquinho de papel
ela levou.

A moça do brinco de pérola
dançou
o prelúdio
duma viagem
mágica,
cálida,
de um navegador.
Com as nuvens
um castelo
ele desenhou.

Veio a forte tempestade,
desmanchou
o castelo 
no paraíso,
Derramando
em
sua lateral
o choro,
cantiga destes amantes.

Flutuou valente o barquinho
em oceanos distantes .
Levava consigo 
aquela flor
Mas:

ali
desapareceu.

No profundo
templo do mar, 
única, 
numa caixa de vidro,
ela existe.


O Sonho acabou
- Agora é tempo de acordar.
ela diz.
Deito-me 
em seus braços, 
Realidade.
Disse a ela,
Coloca-me em teu colo
a adormecer. 

Eu já nem sabia mais chorar
destas lagrimas
de menino.
Agora me pego
a escutar
umas canções
de amores 
perdidos.